Por Alexander Coelho Simão
Na manhã de 27 de agosto de 2006, um Bombardier CL-600-2B19, operando o voo Comair 5191, caiu após a decolagem do Aeroporto de Blue Grass (KLEX), matando 47 passageiros e 2 tripulantes. O Relatório Final, emitido pelo National Transportation Safety Board (NTSB), concluiu que a aeronave recebeu autorização para decolar da pista 22, mas inadvertidamente utilizou a pista 26, que possuía apenas 1.067 metros: um caso clássico de runway confusion.
Dentre os fatores que contribuíram para este acidente, o NTSB apontou que os pilotos falharam ao identificar a posição correta da aeronave na superfície do aeródromo, principalmente por não terem cumprido o procedimento de cabine estéril durante o táxi (NTSB, 2007).
O que é runway confusion?
As runway confusions (confusões de pista) são uma subcategoria das runway incursions (incursões em pista), que se caracterizam pelo uso indevido e não intencional de uma pista de pouso e decolagem - ou pista de táxi, para realizar operações de pouso e decolagem.
As runway confusions podem acarretar colisões entre aeronaves ou entre aeronaves e veículos/equipamentos de solo que estejam sendo utilizados em obras nas pistas. Além disso, podem causar graves acidentes aeronáuticos quando o pouso ou a decolagem ocorre em uma pista mais curta do que a designada (FAA, 2017).
Alguns casos
Em 21 de fevereiro de 2006, um Airbus A340- 400, operando o voo TAP 97, foi autorizado a pousar na pista 27R do Aeroporto de Guarulhos (SBGR), mas alinhou para pouso na taxiway B, localizada 150 metros à direita. Quando a aeronave estava próxima ao toque, o Sol iluminou a pista - que estava molhada por chuva recente - o que fez com que a luz refletisse na cabine de comando. Com essa dificuldade visual, os pilotos acabaram por confundir a pista 27R com a taxiway B. O controlador, que estava fazendo a fonia com o TAP em português, decidiu solicitar a arremetida em inglês. Desse modo, os pilotos portugueses acharam que o aviso não era para eles. Além disso, o controlador utilizou o termo errado pull up - que significa puxar para cima e normalmente é um alerta de cabine para evitar colisão com o solo - em vez do correto go around. Felizmente, não havia aeronaves na pista de taxi. Mais tarde, os pilotos foram informados do erro e negaram tê-lo cometido de início, até que uma inspeção na taxiway B identificou as marcas dos pneus da aeronave nos pontos de toque do trem de pouso com solo (BRASIL, 2010).
Em 7 de julho de 2017, um Airbus A320- 211, operando o voo 759 da Air Canada, foi liberado para pouso na pista 28R do Aeroporto de São Francisco (KSFO), mas alinhou 500 metros à direita, sobre a taxiway C. Quando o Airbus estava a 400 metros do toque, a tripulação da Philippine Airlines 115, uma das quatro aeronaves que estavam sobre a taxiway C, acendeu as luzes de pouso para alertá-lo quanto à iminente colisão. Na sequência, o piloto do United Airlines 001, o primeiro da fila para decolar, interrompeu as mensagens que estavam sendo transmitidas na frequência da TWR e perguntou: “Para onde esse cara está indo? Ele está na pista de táxi!”. Imediatamente, o controlador solicitou que o Airbus arremetesse. A fuselagem do Air Canada passou a 4,3 metros de distância da cauda do Philippine Airlines. A excessiva carga de trabalho na TWR (que estava com apenas um controlador no momento do incidente), a fadiga dos pilotos e a não observância do NOTAM revelaram-se como os principais fatores contribuintes para essa ocorrência. Havia mais de 1.000 passageiros a bordo das cinco aeronaves envolvidas neste incidente, que foi considerado pelo NTSB o pior erro da aviação comercial desta década (NTSB, 2018).
Em 19 de agosto de 2019, um Airbus A319, operado pela Latam Linhas Aéreas, recebeu autorização para decolar da pista 14 do Aeroporto de Florianópolis (SBFL), entretanto, iniciou a corrida para a decolagem na pista 21, cujo comprimento é de 1.300 metros. Quando a aeronave estava com aproximadamente 70 nós, os pilotos foram alertados pela TWR de que estavam na pista incorreta e abortaram a decolagem (Figura). Não houve danos à aeronave nem lesões aos 139 passageiros e 5 tripulantes que estavam a bordo do voo 4522 (BRASIL, 2019).
Segundo a EASA (2018), as investigações dos diversos casos de runway confusion permitiram identificar os seguintes fatores contribuintes:
1. Ilusões visuais: a intensidade de iluminação da pista, a textura e a cor das camadas de asfalto e concreto, aclives ou declives nas proximidades do aeródromo e o efeito black hole podem afetar a consciência situacional dos pilotos, principalmente durante a aproximação final;
2. Fadiga: a degradação da condição psicofisiológica pode reduzir a atenção dos tripulantes e prejudicar o processo de tomada de decisão. Isso ocorre especialmente durante as tarefas noturnas e ao final de longos períodos de voo;
3. Fatores humanos: o desvio da atenção causado por conversas de ordem não operacional, a pouca experiência das tripulações nas operações em aeroportos de grande movimento, o uso incorreto das cartas de aeródromo e a atenção excessivamente voltada para o interior da cabine contribuem para a distração dos pilotos e podem acarretar decolagens e pousos em pistas erradas.
Melhores práticas
De acordo com o CENIPA (BRASIL, 2016), algumas medidas preventivas podem ser tomadas pelos pilotos para reduzir o risco de runway confusions:
1. Saiba sempre onde você está, para onde você vai e por onde. Redobre a vigilância quando a visibilidade estiver reduzida;
2. Familiarize-se com a sinalização de superfície e reporte ao controle marcas e sinalizações que estejam deficientes ou cartas de aeródromos que não correspondam à realidade. Lembre-se que as cores do balizamento luminoso das pistas de pouso e decolagem são diferentes das pistas de taxi;
3. Mantenha o conceito de cabine estéril nas operações de táxi, decolagem e pouso;
4. Taxie com cautela e velocidade reduzida em aeródromos congestionados e nos quais você não está familiarizado;
5. Pense antes de transmitir e faça-o de modo claro e conciso, seguindo a fraseologia padrão. Nunca presuma uma informação. Tenha sempre certeza de que toda a comunicação foi bem entendida;
6. Esteja atento às cópias de autorizações de tráfego de modo a assegurar que todas as informações sejam entendidas claramente;
7. Coteje as instruções recebidas incluindo seu código de chamada. A similaridade entre códigos de chamada pode causar confusões. Em caso de dúvida, não hesite em solicitar confirmação;
8. Faça briefings de decolagem e pouso, e sempre utilize a carta de aeródromo antes de iniciar o táxi e antes do pouso, mesmo quando em boas condições de visibilidade;
9. Caso se encontre perdido, notifique de imediato o controle. Solicite táxi progressivo se não estiver familiarizado com o aeródromo;
10. Leia atentamente os NOTAM dos aeroportos de saída, destino e alternativa. Utilize todos os recursos visuais e eletrônicos disponíveis para ter certeza de que a aeronave está posicionada corretamente na pista;
Por fim, lembre-se sempre do velho ditado: NA DÚVIDA, ARREMETA!
Sobre o autor:
Alexander Coelho Simão é Cel Av da FAB, trabalha na Divisão Operacional (DOP) do CENIPA e possui mestrado em Segurança da Aviação e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA.
Texto originalmente publicado no ASAGOL Safety News 11. Para ler a edição completa clique aqui.
Referências Bibliográficas:
• BRASIL. Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Relatório Final IG-011/CENIPA/2010. Brasília, 2010.
• Apostila de Incursão em Pista. Brasília, 2016.
• FNCO PT-TMI 19AGO2019 09H20 CENIPA. Brasília, 2019.
• EUROPEAN AVIATION SAFETY AGENCY. Incorrect Airport Surface Approaches and Landings. Cologne, 2018.
• FEDERAL AVIATION ADMINISTRATION. Safety Alert for Operators 17010: Incorrect Airport Surface Approaches and Landings. Washington, 2017.
• NATIONAL TRANSPORTATION SAFETY BOARD. Aviation Accident Report AAR-07-05. Washington, 2007.
• Aviation Incident Report NTSB/AIR-18/01. Washington, 2018.