Por Gabriel Casella
Algumas situações especiais podem exigir dos pilotos que um pouso não programado seja realizado com maior antecedência possível. Falha de motor, emergência médica a bordo ou qualquer outra situação em que a permanência da aeronave em voo possa afetar a segurança, são exemplos que podem resultar em um pouso com peso superior ao peso máximo de pouso para o qual a aeronave foi certificada.
Essa situação é conhecida como overweight landing e o objetivo deste artigo é desmistificar suas implicações e proporcionar aos pilotos mais conhecimento para gerenciar esse tipo de ocorrência da melhor forma possível.
Considerando a operação de uma aeronave em uma determinada pista, existem quatro fatores que irão limitar seu peso máximo de pouso:
1. O peso máximo de pouso estrutural (para o qual a aeronave foi certificada);
2. A resistência do pavimento da pista, indicado pelo PCN (Pavement Classification Number);
3. O desempenho mínimo requerido em uma arremetida, por meio dos gradientes de Landing Climb e Approach Climb; e
4. O comprimento de pista disponível para o pouso.
O peso máximo de pouso estrutural, demonstrado pela fabricante, garante a integridade da aeronave caso o pouso ocorra com uma razão de descida de até 600 ft/min durante o toque.
Por certificação, a aeronave também tem que demostrar que suporta um pouso com uma razão de 360 ft/min no seu peso máximo de decolagem. Para fins de comparação, esses valores estão bem acima daquele considerado para determinar um pouso como hard landing, que é de aproximadamente 240 ft/min. Além disso, o projeto deve demonstrar que cada perna do trem de pouso principal é capaz de suportar a carga total individualmente.
Desta forma, por conta dos critérios utilizados para a certificação da aeronave e suas margens de segurança, um pouso com peso acima do máximo estrutural pode ser considerado seguro, no que tange a integridade da aeronave, dos trens de pouso e dos seus componentes.
O peso máximo de pouso limitado pelo PCN também não é um critério significativo, considerando o caso de uma aeronave que retorna para o próprio aeroporto de partida, de onde ela já decolou utilizando um peso maior. Quando alternando para um aeródromo que não faça parte do planejamento do voo, o critério de PCN poderá até ser completamente descartado, dependendo da necessidade e criticidade da emergência, como por exemplo, em caso de fogo ou fumaça permanente a bordo. Nesta condição, o próprio checklist orienta que, dependendo da severidade, a tripulação deverá considerar a realização de um pouso imediato, mesmo que isso signifique pousar em uma área não preparada (off-airport landing).
Em relação à limitação do peso de pouso por restrição de gradiente de subida requerido para uma arremetida, de acordo com a certificação, existem dois critérios: Landing Climb e Approach Climb. O primeiro requer que a aeronave possa cumprir com seu peso de pouso um gradiente de subida de 3.2% considerando os dois motores operando, os flaps na posição de pouso e o trem de pouso estendido. O segundo critério requer um gradiente de 2.1% considerando um motor inoperante, os flaps na posição de aproximação perdida e o trem de pouso recolhido. Apenas em raríssimas situações, quando operando em condições de grande altitude densidade, esses gradientes serão mais limitantes do que o de 2.4% que a aeronave já necessitou cumprir no segundo segmento de decolagem.
No que concerne à limitação de peso de pouso por comprimento de pista disponível, é necessário comparar a distância de pouso requerida em determinada situação (Normal ou Non-Normal Configuration Landing Distance) com o comprimento de pista disponível. Além disso, é importante verificar qual será o aquecimento dos freios para o nível de desaceleração que permita à aeronave parar com segurança dentro dos limites da pista.
Considerando um peso qualquer e frenagem máxima em modo manual, a distância requerida para pouso com flaps de pouso (posição 30 ou 40) será sempre menor do que a distância requerida para a decolagem da mesma pista com este peso.
Contudo, quando realizando um overweight landing em uma condição anormal, com flap 15 ou menor, a capacidade máxima dos freios poderá ser excedida quando uma parada na menor distância possível for exigida. Esta condição é indicada pelo campo Fuse Plug Melt Zone da tabela de Brake Cooling Schedule do QRH e possui duas implicações sérias.
1. Superaquecimento do conjunto de freios, o que pode ocasionar um princípio de fogo nas rodas;
2. A própria parada da aeronave dentro dos limites da pista pode não ser garantida, quando a distância requerida para pouso for igual ou mesmo levemente menor do que comprimento disponível.
Em face destas informações, pode-se concluir que:
(a) A necessidade de se fazer um overweight landing é prevista e permitida pela fabricante, pelos operadores e autoridades regulatórias;
(b) Um overweight landing pode ser executado de maneira segura quando os fatores limitantes de pouso são observados; e
(c) Um overweight landing com flap não padrão (15 ou menor) pode acarretar uma energia acima da capacidade dos freios da aeronave. Assim, é passível de entendimento que um aeroporto não seja considerado adequado (suitable) para pouso, enquanto se tenha dúvidas quanto à capacidade dos freios em parar a aeronave dentro do comprimento de pista disponível, sem que seja exigido um superaquecimento do conjunto de freios.
A decisão de postergar o pouso para queimar combustível em excesso, reduzir o peso da aeronave e evitar um overweight landing, em uma condição de falha de motor ou de outro sistema que afete negativamente a aeronavegabilidade, pode expor a aeronave a uma deterioração adicional, tornando a situação ainda pior. Nesse contexto, não existe uma fórmula pré-determinada ou um procedimento que deverá ser cumprido à risca que garanta a segurança do voo em todos os cenários. Caberá ao Piloto em Comando, em conjunto com a sua tripulação, por meio do conhecimento técnico e das melhores práticas de CRM, ponderar entre as ameaças de cada caso para tomar a melhor decisão possível.
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Sobre o Autor
Gabriel Casella é Copiloto e Coordenador de Safety na GOL Linhas Aéreas. Graduado em Ciências Aeronáuticas, Pós-graduado em Gestão de Negócios e Investigador de Acidente Aeronáutico certificado pelo CENIPA e pela Southern California Safety Institute. Atualmente participa como membro titular do HITG (Hazard Identification Technical Group) da IATA.
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Texto originalmente publicado no ASAGOL Safety News 12. Para ler a edição completa clique aqui.
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