Necessidades Humanas na sala de aula. Será que o seu aluno tem o que precisa para mandar bem na instrução?
Imagine a seguinte situação: você está se preparando para dar uma aula no dia seguinte. Passou horas produzindo uma apresentação impecável; estava muito preocupado como ela poderia impactar na fluidez do seu trabalho. Durante a noite se alimentou de forma saudável e até praticou exercícios para aguentar as 8 horas em pé numa sala de aula.
No dia seguinte uma forte chuva tomou os céus da cidade e os seus alunos chegaram ensopados na sala de aula que estava muito fria, devido ao ar-condicionado central. Após tentativas frustradas de se secarem e de ajustar o condicionador de ar em uma temperatura agradável, a aula foi iniciada.
Ao longo do dia notícias desagradáveis sobre a pandemia deixaram a turma preocupada com o futuro da economia. Apesar de todos os esforços para ministrar uma boa aula, o dia terminou pesado e você notou que os seus alunos passaram o dia bem desmotivados.
É conhecido que a performance para a realização de qualquer atividade poderá sofrer com a ação de quaisquer elementos (e.g. estressores fisiológicos, sociais, mentais, etc.), podendo gerar reações positivas ou, infelizmente, negativas. Desde o começo da sua existência, o ser humano busca atender as suas necessidades. Sempre que elas são preenchidas, gera-se motivação para atender uma série de novas necessidades. O psicólogo americano Abraham Maslow propôs que um indivíduo só consegue aspirar novas necessidades se aquelas mais elementares forem atendidas.
Ele (Maslow), indica que a atenção e o anseio pelo conhecimento (motivação) dependem da realização de uma série de necessidades elementares. Considerando esta teoria, em uma atividade tão importante quanto a instrução aeronáutica, todos os instrutores deveriam ter atenção especial em atender as necessidades humanas dos seus alunos.
Ainda baseado na teoria do psicólogo, ele propõe uma pirâmide de necessidades. Para alcançar as necessidades do topo desta estrutura, as mais basilares deverão ser saciadas. O seu uso pode ser considerado para guiar o instrutor, ajudando a criar um ambiente motivador para os seus alunos.
Com base na sequência descrita na pirâmide, o instrutor deverá buscar atender as necessidades:
• Fisiológicas;
• Segurança;
• Inclusão Social;
• Estima;
• Cognição e Estética;
• Auto Realização.
Aspectos fisiológicos
Tem relação com as necessidades básicas de qualquer pessoa. Por mais atrasado que o conteúdo possa estar, intervalos são meios interessantes de aliviar o estresse físico causado pela manutenção da posição nas carteiras da sala, pela desidratação e a fome.
O corte causado pelo intervalo pode ser bom durante a apresentação de dados muito complexos ou excesso de informação, devido ao estresse imposto em partes do nosso cérebro. Para ajudar a mitigar os estressores fisiológicos, devemos saber responder algumas perguntas:
Aspectos sobre segurança
Neste caso, se tratando de treinamento em um ambiente organizacional, o aluno busca segurança através das políticas e cultura de treinamento.
O que acontece com o funcionário em caso de desempenho abaixo do esperado? Nos treinamentos práticos os instrutores seguem todos os procedimentos previstos pela equipe de segurança no trabalho? O corpo docente apresenta assertividade ao longo dos treinamentos?
É importante apresentar segurança, garantindo um processo de capacitação e avaliação justo, assertividade nas explanações e equipamentos de segurança disponíveis para os treinamentos práticos em solo e em voo (se aplicável). Algumas perguntas ajudam a montar um ambiente que transmita segurança.
Inclusão Social
A aviação apresenta um mercado de trabalho muito diversificado quando é observado o grande número de naturalidades. Não é difícil fazer parte de uma tripulação na qual os seus integrantes são de diferentes regiões brasileiras.
São culturas distintas, que apresentam diferenças como sotaques, preferências ao se alimentar, relação com a religião, noção de hierarquia, entrosamento, relação com a educação, etc.
É possível que, graças a estas diferenças culturais, alguns alunos possam ter mais dificuldade de se sentirem incluídos, até mesmo de manterem canais de comunicação abertos com os seus pares e instrutores. Estas situações podem levar a um sentimento de exclusão e forte perda de motivação.
Cabe ao instrutor “trazer para a turma” todos aqueles que por ventura se encontram nesta situação. Boas políticas de inclusão nas empresas ajudam muito o trabalho de integração. Pergunte – se:
Estima
O reconhecimento é uma grande oportunidade para elevar a motivação do seu aluno. É um reforço positivo para repetição de um comportamento adequado. O reconhecimento deve ser feito sempre com ressalvas, pois em excesso ou proferido a pessoas com uma personalidade muito autoconfiante pode gerar problemas, inclusive de ordem operacional.
Reconhecer os esforços e conquistas dos alunos que enfrentam mais dificuldades deve vir seguido com instruções e feedbacks para as próximas atividades, pois é um momento durante o qual costuma haver maior abertura para comunicação efetiva e motivação para realizar mais tarefas.
O reconhecimento daqueles mais confiantes e motivados pode vir seguido de ressalvas, “freios” que permitam manter o indivíduo na realidade (ele é um aluno, está em instrução, não é um super-herói invencível).
Cognição e Estética
Necessidade cognitiva é o desejo pelo conhecimento. Se uma pessoa entende o que está acontecendo, ela tanto pode controlar uma situação quanto tomar boas decisões sobre ela. É por isso que a instrução, seja em sala ou no avião, precisa ser clara, objetiva e sem barreiras.
Nem sempre uma explanação com termos rebuscados, materiais com idiomas estrangeiros é o ideal. Conheça bem o seu público. A aula precisa ser útil para transmitir conhecimento e não para elevar o ego do instrutor.
Esta necessidade pode ser uma precursora para a auto realização, a última das necessidades da pirâmide. É a partir desta fase que o aluno começa a “bater as asas”, tentando aplicar os conhecimentos teóricos em situações práticas.
Necessidades estéticas são uma necessidade de beleza, ordem, equilíbrio e simetria. Tem relação com o desejo de apreciar as coisas que experimentamos. Não apenas a estética visual, mas o som, a sensação e o toque são importantes para motivar as pessoas.
Auto atualização
É um termo que denota um desejo de auto realização. É, portanto, um estado em que o aluno é motivado a se aprimorar, empregar o conhecimento em rotinas operacionais, em vez de ser motivado simplesmente pela necessidade de mitigar deficiências.
É muito importante que o instrutor observe além do seu processo didático. Uma aula muito bem elaborada pode não ter eficácia alguma se questões externas influenciarem de forma negativa a motivação dos alunos e também dos instrutores.
Para mais informações recomendamos a leitura do FAA-H-8083-9A–Aviation Instructor’s Handbook. Na próxima edição da revista vamos abordar os mecanismos de defesa criados pelos alunos durante o período instrucional. Qualquer dúvida ou sugestão, procure a equipe de safety da ASAGOL através do e-mail safetyasagol@asagol.com.br.
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Sobre o Autor
Eduardo Morteo Bastos é Comissário de Bordo de linha aérea, possui licença de Piloto Comercial, graduado em Ciências Aeronáuticas e graduando em Psicologia. Possui Pós-graduação em Segurança de Voo e é Gestor de Segurança Operacional credenciado pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. Participou da confecção do Manual do Instrutor de Voo – MIV, criado na Comissão Nacional de Treinamento do CNPAA – Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. É coordenador de cursos profissionalizantes para Piloto Privado, Comercial e Instrutor de Voo.
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Texto originalmente publicado no ASAGOL Safety News 12. Para ler a edição completa clique aqui.