Edição nº 5
Maria da Conceição Correia Pereira¹
A dimensão coletiva é excepcional nas situações de desastres aéreos, tornando inoperantes os sistemas de suporte normais nas pessoas envolvidas; especialmente os membros das famílias que sofrem perdas e vivenciam o processo de luto.
Em atendimentos aos familiares de vítimas do voo 447 da Air France, foi observado que os desastres aéreos trazem vários fatores de contexto "coletivo" que se combinam e tornam mais difícil o processo de vivência da dor, consequentemente, da vivência do luto. Isso ocorre primeiro pela perda brutal e inesperada, segundo pela condição de não respeitar a ordem das gerações e envolver várias pessoas muitas vezes de uma mesma família, (Baubert al., 2010). Inclui-se também a possibilidade de não resgate do corpo do ente querido.
As respostas das pessoas no momento do trauma se revelam como uma situação que deve ser observada e cuidada, sobretudo se estas pessoas apresentarem algum tipo de dissociação (Freitas et al., 2009). Os sintomas de dissociação necessitam ser acompanhados uma vez que trazem sensações subjetivas de sentir-se desligado, de embotamento ou de ausência de reação emocional (APA, 2002, pp. 471, 472). A possibilidade de adoecimento pós vivência traumática de perda gera a necessidade de as empresas aéreas efetuarem seus planos de Respostas de Emergências com o cuidado especial no atendimento aos familiares, parentes e amigos das vítimas.
O processo do luto é considerado multidimensional, ativo, altamente personalizado e determinado por inúmeros fatores da vida do enlutado. Não se pode pensar em luto como um processo linear, com delimitações concretas. O luto varia de pessoa para pessoa ao longo do tempo em que se instala e se processa. (Delabera 2008).
Há evidências na literatura que mostram que a saúde da pessoa enlutada, no geral, está em risco quando comparada a pessoas não enlutadas; o que deve ser relevante é buscar a compreensão do fenômeno sem utilizar visões restritas e restritivas sobre o luto. (Franco,2010)
O que se espera, normalmente, é que todas as pessoas possam ultrapassar seu momento de dor perante suas perdas, mas quando isso não acontece existe condição de desenvolvimento do luto complicado ou prolongado.
Existem fatores de risco para a instalação do luto complicado ou prolongado, entre os quais se encontram aqueles relativos às circunstâncias da perda: mortes repentinas, violentas, consideradas prematuras pelo enlutado; a causa da morte e seu significado; o tipo da morte, existência de segredos relativos à morte ou à sua causa; falta de rituais; falta de suporte; outras perdas concomitantes (Franco, 2005).
A morte por acidente aéreo se enquadra significativamente na condição de encontrar espaço nas famílias enlutadas ou da possibilidade de desenvolverem um luto complicado ou prolongado.
Em se tratando de famílias nas suas situações de perda e luto, uma vez que já se sabe que a morte em um acidente aeronáutico pode atingir mais de um membro da família no mesmo acidente, a vivência do luto poderá ser determinada a partir da qualidade das relações familiares existentes antes da morte, pela qualidade dos vínculos estabelecidos e, também, afetado por condições atuantes mais próximas à morte propriamente dita. Os indivíduos precisam aprender a viver com os acontecimentos traumáticos e suas consequências, e isso poderá ser mais bem gerenciado se essas pessoas traumatizadas obtiverem a ajuda necessária e especializada que auxilie e promova o ajustamento para a nova situação (Trindade & Teixeira, 2000).
A dor precisa ser vivida, e rechaçar as expressões naturais do sofrimento quando ele se instala por fatos traumáticos pode ampliar seu tempo de superação, trazendo consequências no contexto individual e coletivo dos indivíduos afetados ou vitimados.O que se acredita é que o processo de superação do sofrimento na situação de perda e luto deve passar não só por uma “desintoxicação psíquica”, mas também, por realizar um movimento para vida, oferecendo espaço não só para transcender a dor, mas, para aprender com a dor. Baubert et al. (2010) e Pereira (2012). O mais importante diante das situações da vivencia de luto é garantir melhores atendimentos à saúde nos pós-desastres, e posterior continuidade dos cuidados aos afetados ou vitimados como elemento importante na mitigação, prevenção e no acolhimento à saúde nas condições das perdas e rompimentos vividos pelos familiares e amigos de vítimas em desastres aéreos.
¹Psicóloga com Pratica em Aviação - Doutora em Ciências do Comportamento e Neuropsiquiatria pela UFPE, Mestre em Psicologia Clínica Institucional UNICAP Especialista em Educação em Saúde Pública e em Fatores humanos na Aviação. Membro fundadora e primeira secretária da Associação Brasileira de Psicologia de Aviação. concepereira@uol.com.br Bibliografia APA - American Psychological Association - Manual de Diagnóstica e Estatística das Perturbações Mentais - versão revista (4ª. ed). Lisboa, Climepsi, 2002Baubert, T., Rouchon, J.-F., & Reyre, A. (2010). La prise en charge des familles de victimes d’une catastrophe aérienne. Soins Psychatrie , pp. 28-32.Delabera, M. A. Adaptação e Validação Portuguesa do Instrumento de Avaliação do Luto Prolongado – Prolonged Grief Disorder (PGD-13), Mestrado em Cuidados Paliativos (6ª edição), Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, 2008Franco, M. H. (2010). Formação e Rompimento de Vínculos – o dilema das perdas da atualidade. São Paulo: Summus.Franco, M. H. (2005). Atendimento psicológico para emergências em aviação: A teoriarevista na prática. Estudos de Psicologia - Universidade Federal do R.G. do Norte.Freitas, S, Rodrigues, I. Maia, A. Relação entre perturbação psicológica e suporte social em vítimas de acidentes. Actas do 1º Congresso de Saúde e Comportamento dos Países de Língua Portuguesa. Braga, CIPSI edições, 2009Pereira, M. C. C (2012). V Encontro Brasileiro de Psicologia aplicada à Aviação – Salvador, BA. Disponível em: <http://www.cenipa.aer.mil.br/cenipa/Anexos/article/649/CFP%20-%20Maria%20da%20Conceicao.pdf>acessado em 22 de julho 2018Tese de doutorado – Impacto tardio na saúde mental nos familiares de vítimas de acidente aeronáutico – O caso NOAR Voo 4896 – Maria da Conceição Correia Pereira Universidade Federal de Pernambuco –Recife- 2015Trindade, I., Teixeira, J. Aconselhamento psicológico em contextos de saúde e doença - Intervenção privilegiada em psicologia da saúde. Analise Psicológica; 2000 v. XVIII, p. 3-14
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